17/04/09

PELAS TERRAS ALTAS DO QUÉNIA II















Tumaini Childre
n’s Home
“Tumaini” significa “esperança” em Swahili. Não é lá muito criativo e não faltam pequenas lojas e bancas no mercado com o mesmo nome, mas este projecto é especial. É uma casa de acolhimento para órfãos seropositivos, cujos pais faleceram devido ao vírus da SIDA e que foram rejeitados pelos familiares mais próximos, por falta de condições para os criar mas sobretudo por ignorância, preconceito e medo da doença. Todas as crianças e jovens da casa estão saudáveis, vão à escola (uma batalha ganha pelos profissionais do projecto pois nenhuma escola privada os aceita e mesmo a escola pública de Nanyuki ofereceu muita resistência), têm acompanhamento clínico, psicológico e jurídico, os mais velhos têm formação profissional e constituem uma grande família de cerca de 50 membros. A instituição trabalha também no sentido de sensibilizar e informar os familiares e a população em geral sobre o HIV/SIDA com vista à integração destas crianças e jovens nas suas famílias. São muito carentes e afectuosos pois vivem histórias tristes de rejeição e descriminação. Em “casa” onde as pessoas os abraçam, acarinham e se preocupam com eles têm um comportamento extremamente afectuoso, ou seja, estão constantemente a agarrar-nos, a abraçar-nos, a acariciar-nos e a tentar ganhar a nossa atenção. Se não impusermos alguma ordem em 2 minutos temos os mais pequenos agarrados às pernas, os maiores a abraçar-nos pela cintura, a puxar-nos os braços e no meu caso a tentar pentear-me os caracóis. Para quem tem estado sozinha e a adaptar-se à solidão, a experiência é radical e por isso preciso do meu momento Greta Garbo “I want to be alone!” de vez em quando. A falta de privacidade é uma questão cultural que aqui é levada ao extremo.
E perguntam vocês, e bem, “mas como foste aí parar?”. Há algumas semanas conheci o casal de italianos que gere este projecto em Nairobi, no albergue onde estou alojada e “parole” puxa “parole” acharam que eu era boa rapariga e convidaram-me para passar uns tempos com eles nas montanhas. Como ainda por cima descobri várias organizações na zona do Monte Quénia que me interessava estudar, fiz a mochila e abalei para cá. Foi muito bom passar estes últimos dias no meio de uma “família” numerosa e afectuosa e acompanha-los em algumas visitas a famílias das crianças e a outros projectos. Ficamos amigos, eu, a Caterina e o Fausto. O único senão foi a babel linguística: eles falam mal inglês, falam inglês literalmente em italiano e misturado com palavras de swahili. O Swahili falam mal, literalmente com som italiano e com palavras de inglês. O italiano falam com palavras Swahili pelo meio… é hilariante e dá-me conta dos nervos.


Meru ou “Quantos tons de verde tem a natureza?”
Para chegar a Meru subimos a montanha, a partir de Nanyuki e vamos vendo a paisagem a ganhar tons de vermelho e amarelo e o horizonte a prolongar-se sobre os cumes dos montes e picos circundantes. Estamos na estepe. Mas depois conforme vamos circundando o Monte Quénia e vamos descendo para altitudes medianas a paisagem transforma-se num manto de vegetação sem fim com as encostas das montanhas a competir para ver qual delas oferece mais tons de verde. É maravilhoso o contraste destes dois cenários, mas o verde de Meru conquistou-me o coração. É uma terra abençoada com fartura e apesar de as pessoas serem pobres, não passam fome como em outros lugares do país afectados pela seca. Aqui as encostas das montanhas estão cobertas por plantações de chá, café, bananeiras e produtos hortícolas. Há uma estrada nacional alcatroada, com condições suficientemente boas para permitir os escoamento desta produção para outras partes do país e para exportação. As pequenas cidades e localidades não têm interesse, não são bonitas e não passam de pequenos aglomerados de comércio para servir as populações rurais. No entanto, todas estão rodeadas de uma paisagem espectacular. A cidade de Meru é a principal da região e um polo de referência para o povo Meru, mas não é mais do que uma avenida com duas ou três ruas paralelas em terra batida e um amontoado de lojas, feiras, vendas de rua, serviços públicos e meia dúzia de hotéis (na maioria a evitar). Felizmente tem o Meru County Hotel, um verdadeiro 5 estrelas para os padrões locais que é limpinho, ajeitadinho, que até me oferece uma suite com varanda e TV e que tem uma esplanada catita. Ao contrário de Nanyuki e outras localidades da região, Meru não é uma cidade turística de acesso ao parque Nacional do Monte Quénia, o que significa que as pessoas estão pouco habituadas a estrangeiros. Por um lado é bom porque ninguém me persegue a impingir artesanato, serviços de guia de montanha, viagens de táxi e coisas que tal, mas suspeito fortemente, depois da minha primeira viagem de reconhecimento que sou a única mzungu das redondezas e algumas pessoas ficam literalmente esbugalhadas a olhar para mim, o que é um bocadinho desconfortável.
Entretanto, nestes últimos dias tive oportunidade de visitar várias aldeias locais, de constatar (com todo o meu esqueleto) o estado miserável das estradas de terra batida, de provar “especialidades” locais nas tascas da região, onde se come uma refeição por menos de 2 euros. Obviamente, a ASAE fecharia toda a região e mandava rezar uma missa pelos estômagos dos comensais. Pior do que as chamuças gordurosas, as batatas fritas meio cruas, a carne crua pendurada sobre o balcão sem refrigeração… pior que tudo isso é beber uma bela garrafa de água inteirinha e verificar no fim que o prazo de validade tinha expirado em Fevereiro de 2008. Para já estou bem, mas aguardo sintomas estranhos a qualquer momento.
Para não variar, a juntar aos verdes encantadores das montanhas temos as flores a colorir a paisagem e eu estou a ficar viciada em fotografá-las.

5 comentários:

Sara disse...

Ainda bem que há Caterinas e Faustos neste mundo! :) Admiro as pessoas que são capazes de se dar assim aos outros.

Realmente as paisagens são fabulosas, caramba! E que cores tão vibrantes! :)

Ainda bem que a água não te fez mal... :P Tem cuidado com o que comes, minha linda! :) Na medida do possível, claro. :)

Zimbie disse...

Que projecto admirável, como diz a Sara, ainda bem que há pessoas assim... e esses teus caracóis hão-de atrair criancinhas por todo lado onde vais :-)
As paisagens são tão bonitas, e as flores e pássaros e as cores, tão lindo!

African Queen disse...

Sarinha
E sabes que este casal já anda pelo continente há mais de 10 anos e para eles o Quénia é tipo estância de férias comparado com o resto :) Conheceram-se na Republica Centro Africana onde trabalhavam com os pigmeus. Depois estiveram na Liberia e no Congo para eles isto é um sosssego. São boa gente sim senhora!
A paisagem é demais... tu com o teu material fazias umas obras de arte :)
Ainda não me nasceram escamas, nem nada assim esquisito por isso escapei ao envenenamento aquatico LOL.

Zimbie
O pior é qd atrai crescidos que me vêm tocar no cabelo, como na Turquia. Aí é que me faz confusão LOL.
Prontos... tenho de arranjar maneira de te vir cá mostrar isto nas férias e ainda ir a pelo menos um parque natural e a Lamu em 15 diiiaaas... estás a ver o que me arranjaste?!

Unknown disse...

OI!
Estou a adorar seguir as tuas aventuras e até me imagino aí (e África não é o meu destino!)
espero que estejas bem e quando voltares, já sabes, jantar chez nous! ; )

African Queen disse...

Paula
minha linda, tu não estás bem a ver... eu conheço-te e tu aqui não ficavas :).
Que bom ver-te pelo blogue. Volta sempre, que eu vou dando notícias com alguma regularidade.
Jantar combinadíssimo entre 8 e 20 de Junho :)
Beijinhos para ti e para os teus meninos!