Depois de uma acesa negociação, Mestre Josenias aceitou o serviço exigindo apenas que deixássemos vir connosco o pequeno Mardemorte, um miúdo órfão, lá do bairro dos pescadores. Enquanto esperávamos que a maré ficasse de feição para a viagem chegou uma mulher que nos pediu para a levarmos à Ilha. Viajava sozinha, era irlandesa e não tinha medo dos presságios de má sorte. Saíra da Irlanda para ir à África do Sul há anos mas ainda não chegara lá. Perdera-se no continente e deambulava de país em país na ânsia de encontrar sentido para a viagem. Nós éramos apenas dois e portanto havia muito espaço no barco para partilhar. A meio da manhã a chuva cortante amansou e acabou por desaparecer levando com ela o vento. Ao barco, parado no meio do mar, só lhe restava aguardar que novo sopro o encaminhasse. Era um barco tosco, construído por mãos hábeis mas sem grandes ferramentas, com uma vela de remendos e madeira bichada, talhado para a pesca e para viver ao ritmo das marés do canal.
A única preocupação de todos era protegermo-nos do sol e guardar as poucas energias que restassem. Cada um de nós estava coberto com o que podia, sem ousar movimentos, e um silêncio de morte tinha-se instalado no barco. Todos não… que Mar (o diminutivo que usavam para chamar Mardemorte) continuava desperto e vigilante, sentado na proa, de olhos bem abertos a perscrutar o horizonte. Há horas que não nos movíamos nem um milímetro e José, o meu companheiro de viagem começou a exaltar-se e quebrou o silêncio com agressividade, questionando Mestre Josenias sobre a necessidade de fazer alguma coisa, querendo saber onde paravam os remos e sobretudo muito enervado com a passividade de todos.
- Não tem remos no barco. A gente não rema contra a vontade do mar… a gente espera… - disse calmamente o Mestre deitado junto ao leme, sem abrir os olhos.
- Mas que merda é esta? Assim vamos morrer todos! Estamos aqui há horas parados, quase sem água, sem comida e eu preciso chegar esta tarde à Ilha – continuou o José cada vez mais exaltado, enquanto eu me mantinha imóvel, agora com a cabeça descoberta mas quase sem respirar.
- Nada! Aqui só vão morrer dois e tem muito tempo ainda – disse subitamente Mar, desviando os olhos do horizonte e voltando-se para trás.
- Que raio…? Mas… ouviram isto? Tu não me enerves fedelho! – disse o José lançando-se na direcção do Mar como se o fosse atirar borda fora.
- Calma! – Disse-lhe a irlandesa num português cheio de sotaque, agarrando-lhe o pulso e fazendo sinal com a cabeça para olhar em volta pois os três ajudantes de Mestre Josenias tinham despertado da sua hibernação e fitavam o José com ar ameaçador.
- Sossegue patrão, que o tempo já não está nas nossas mãos. Gente agora tem de esperar, que o mar tem seus caprichos e suas razões. E não toque no Mar, que ele é nosso leme e nosso mapa nesta viagem. Ele nasceu no mar e nessa mesma noite o barco onde ia afundou levando todos os outros para o outro mundo. Só ficou Mardemorte, filho do mar e filho de toda a gente, como são as crianças na nossa terra – continuou sereno Mestre Josenias.
Contrariado José voltou a sentar-se ao meu lado. A irlandesa cobriu a cabeça com uma capulana e encostou-se no fundo do barco. Os homens voltaram a deitar-se. Mar contemplou novamente o horizonte. E eu vo
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(continua)
3 comentários:
Uau! Já estou de olhos esbugalhados à espera do resto da história! :D
:) Esta história tem fermento a mais. Não pára de crescer. Tá difícil dar-lhe um fim, mas já está no forno e no fds deve ficar prontinha :P.
Beijocas
Vou continuar a ler DEAR A.QUEEN :D
Quero saber o fim.
beijinhos
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