Eis uma grande lição. Aprendi há algum tempo que as aparências são pouco fiáveis mas por cá, esta máxima é quase uma regra de sobrevivência.
Para comprar um bolo dou por mim num cibercafé, rodeada de computadores e no balcão improvisado alguém nos mostra um pequeno catálogo de bolos de festa para fazermos a encomenda. Uma farmácia moderna, pode ser também um posto de venda de galinhas e o negócio acontece no minúsculo gabinete de óptica e em vez de sairmos de lá com um novo par de óculos, saímos com uma saca de frangos depenados ou a cacarejar, conforme a nossa preferência. E é assim com quase tudo, inclusive com o Natal.
No dia 24 de Dezembro não acontece nada, é um dia normal sem celebrações de qualquer espécie. O meu típico jantar de consoada este ano resumiu-se a pizza, cerveja e um bom filme, em casa, na companhia da Sharon e do Kayser (a empregada e o cão dos donos da casa).
No dia 25, acontece a grande celebração, bem diferente daquilo a que estamos habituados. Parecia S. João, com toda a gente na rua e festas por todo o lado, nos hotéis, piscinas e clubes. Grandes churrascos, borga, os miúdos com pinturas na cara, uma animação.
Ao jantar, as famílias juntam-se, o prato principal é galinha (uma iguaria que pode chegar a custar 5 euros nesta altura do ano), as prendas não são uma tradição e as compras resumem-se a roupa e sapatos novos, para quem pode.
A minha amiga Julie (se bem se lembram, a primeira amiga que fiz no Quénia e que foi minha colega nas aulas de Swahili) tinha-me convidado para celebrar o Natal com as freiras na comunidade dela aqui em Kisumu. Ainda cheguei a pensar em continuar em Diani e festejar por lá, mas sabia que elas contavam comigo e não queria decepcioná-las, por isso cheguei a 24 a Kisumu e dia 25 ao fim da tarde lá estava eu, no “convento” das School Sisters of Notre Dame, preparada para o Natal mais cristão da minha vida e a contar com um serão de rezas e rituais religiosos. ERRADO! (Felizmente, porque a perspectiva não era das melhores para mim).
Mal cheguei e entrei pela cozinha deparei-me com uma azáfama invulgar e uma excitação adorável. Havia música no ar, hip hop e Africana, e enquanto se ultimava o jantar dançava-se, ria-se e o ambiente era de festa e alegria. Vivem ali cerca de 20 mulheres religiosas e entre elas 12 são jovens de diferentes países africanos e de diferentes partes do Quénia que estão numa fase de preparação para a vida religiosa. São dois anos em que aprendem e experienciam a vida religiosa antes de decidirem se fazem os votos ou não.
Resultado: O jantar integrou iguarias de várias tribos do Quénia e de outros países de África pois todas queriam mostrar as suas tradições. Foi um festim de doces e salgados, vinho tinto, vinho branco (adoro o facto de os católicos gostarem de vinho!) e Baileys (a minha contribuição, a pedido das irmãs). Na sala de convívio uma árvore de Natal gigante rodeada de presentes (cada uma comprou presentes simbólicos para se trocar depois do jantar) e cheia de chocolates que as mais novas iam subtraindo de cada vez que passavam por lá. A seguir ao jantar, houve uma pequena celebração religiosa e pela primeira vez juntei-me a elas (viva o espírito de Natal!) e surpreendentemente gostei. A coisa integrou mais cânticos de Natal do que rezas (e elas cantam extraordinariamente bem) e foi bonito. Depois, foi a festa. Quando dei conta a sala estava cheia de djambés, chocalhos, pandeiretas e violas e a comunidade sentada em circulo, nos sofás e no chão à volta da árvore. Cantou-se muito. Mais tarde, retiramos uns números à sorte e distribuiram-se os presentes no meio de uma imensa alegria (para muitas das raparigas mais novas era a primeira vez que estavam a receber presentes) e muitas gargalhadas. A seguir mais música e dança. Afastaram-se os sofás e a sala transformou-se numa pista. Um grupo de raparigas nigerianas presenteou-nos com uma dança tradicional deliciosa e entraram na sala cheias de chocalhos nos tornozelos e à cintura, ao som de gritos de festa e tambores… maravilhoso!
Pela 1h da manhã, a minha amiga Julie, diz-me que bebeu um bocadinho de mais para pegar no carro e levar-me a casa e convida-me para dormir lá. Grande ideia, que eu também não me queria ir embora. E quando a maioria se foi deitar, ficou na sala um pequeno grupo divertido e acabamos a noite a partilhar a vida, a falar de coisas sérias a brincar, a contar o que nos ia na alma. Senti-me em casa, senti-me querida e mais uma vez confirmei que só estamos sozinhos se fecharmos o coração.
Foi um Natal memorável!
28/12/09
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5 comentários:
Belo Natal 'religioso' :) Cânticos, danças, comidinha boa e variada, tudo abençoado com bom vinho, uma óptima forma de festejar: as tuas freiras são muito cool ;)
E se te dissessem há 1 ano atrás que ias passar o natal com um grupo de freiras? eheheh, é bom saber-te em tão boa e quentinha companhia, um beijo...
É o verdadeiro espírito natalício, que não tem nada a ver com religião, mas com humanidade, alegria e boa vontade. :)
Nunca mais vais esquecer esse Natal. Para mim o Natal é o convívio, os amigos, o reviver tradições sejam religiosas ou pagãs,tantas outras coisas boas desta cidadania planetária. É alegria! E é tudo menos consumismo. Parabéns e ficamos felizes por te saber bem rodeada nesta data.
Beijinhos e um excelente 2010!!!
Depois disto estou curioso para saber como é que vai ser a Passagem de Ano. Tenho adorado viajar contigo. Beijinhos e Bom Ano.
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