12/03/08

História com história

Corria o ano de 1984, em plena guerra fria, quando eu, então com 14 aninhos, no auge do meu período punk, grande admiradora do Carl Sagan, do Isac Asimov e de ficção científica escrevi esta história. Descobri há dias, durante uma crise de fada do lar, enquanto revirava a minha sala num frenesim de limpeza, uma pasta com as minhas histórias da adolescência. Foi um momento raro e empolgante, foi uma espécie de arqueologia da memória. E perante a dificuldade de terminar um novo conto, nesta fase de muito trabalho, achei por bem partilhar uma dessas histórias, escrita para um concurso de Português, no 8º ano e com o tema obrigatório "Um dia na vida de um jovem do ano 2020".
Espero que se divirtam, como eu me diverti quando a encontrei, com a minha percepção do futuro há vinte anos atrás. E até breve, que vêm novas histórias a caminho :).


O dia estava quente e nem parecia que as aulas iam recomeçar daí a pouco mais de duas semanas. A Cati acabava de chegar do acampamento de férias. Decididamente não tinham sido as melhores férias que já passara. Depois de introduzir no computador da escola os dados sobre o que queria encontrar nas férias, este decidiu que ela iria para as selvas protegidas da América do Sul e claro, foi sozinha que mais ninguém teve resultados tão estranhos.
Agora, de regresso à cidade, a Cati sentia-me bastante mais feliz pois já estava com saudades, sobretudo dos amigos. Mal saiu do túnel de chegada dirigiu-se para casa e ao chegar viu-se obrigada a ligar a caixa de comunicação para pedir ao pai que lhe abrisse a porta.
- Olá pai! Desculpa mas o meu cartão automático perdeu a validade. Está tudo bem cá em casa? A mãe está?
- A tua mãe hoje chega mais tarde. Está a trabalhar num projecto novo. Que tal as férias? Melhores que as do ano passado? - perguntou.
- Nem por isso. Francamente até se tornaram aborrecidas - queixou-se.
- Isso é mesmo de ti. Desde os 5 anos que nunca gostas das férias.
- Há alguma coisa para comer? - perguntou a Cati.
- Pede ao novo robot. Chama-se Niki. Tenho de me ir embora, vê se encontras alguns amigos. Até logo!
- Olá Niki - disse a Cati para o novo robot. - Quero que me prepares um gelado enorme e delicioso, o melhor que souberes fazer.
- Não posso, a tua mãe pediu dieta para ti - disse o Niki muito sério.
A Cati riu-se, entusiasmada e sentiu-se bem por estar de volta a casa. Mas apetecia-lhe mesmo comer gelado e por isso saiu.

Estava sentada na mesa do café quando viu um grupo de amigos a aproximar-se.
- Cati, que surpresa, não sabia que já estavas de volta - disse a Vanda.
Falaram durante todo o almoço das férias e dos planos que tinham para o ano seguinte. Mais tarde o Ivo sugeriu que fossem a casa dele para experimentar o novo computador da amizade. Quando chegaram identificaram-se e entraram e ele levou-os logo ao quarto.
- Aqui está a pequena maravilha - disse o Ivo apontando para o computador.
- Quem quer experimentar primeiro? - perguntou.
- Eu - disse a Cati rapidamente.
- Ok, tens de preencher este questionário e depois esperar o resultado.
Alguns segundos depois apareceram os resultados.

Jovem 17 anos
Sexo masculino
Residência - base espacial 16
Código para comunicar: GLB46

Depois de observar os dados a Cati começou a rir.
- Realmente a mim só me acontecem coisas incríveis, primeiro foram as férias na selva e agora um amigo que mora numa base espacial.
- Liga depressa para a base espacial que também quero conhecer esse teu amigo - disse a Vanda.
Depois de escrever o código, a Cati esperou alguns momentos até que apareceu uma imagem no ecran e ouviu-se:
- Olá! Eu sou o Ian e gostava de conhecer-te melhor. Queres vir até á base espacial 16?
- Sim, claro, quero muito. Mas posso levar alguns amigos?
- Sim, não há problema nenhuma. Têm é de apresentar na Estação 4 o meu número de código por questões de segurança. Sem ele não podem passar o campo de forças que protege a base de intrusos. Aqui vai O3TL962. Até logo!
A imagem desapareceu do ecran. Estavam todos muito entusiasmados pois nunca nenhum deles tinha visitado uma base espacial. Avisaram os pais que não dormiam em casa, com a desculpa de ficarem em casa uns dos outros e partiram.
- Vamos depressa para apanharmos a nave de passageiros das 3 da tarde - disse o Ivo.
Já dentro da nave e quase a chegar à base 16 o grupo de amigos estava fascinado. A Base ficava muito mais longe do que eles imaginavam. Fica próxima da primeira Lua de Júpiter e eles nunca tinham feito uma viagem tão longa. A nave demorou duas imensas horas a chegar mas finalmente os amigos sentiram os bancos moverem-se em direcção a um tunel iluminado. Chegaram ao fim e pararam pois qualquer coisa os impedia de continuar e então o Bruno lembrou-se do código para passar o campo de forças. Inseriram o código e foram levados até uma sala onde o Ian os esperava. Ele também tinha trazido alguns amigos para que todos se conhecessem. Decidiram separar-se aos pares e encontrar-se no angar de partida mais tarde.
Distraidamente, enquanto o Ian lhe mostrava a base espacial, a Cati observava-o. Era alto e forte, tinha os olhos grandes e expressivos de um castanho muito claro, quase dourado e o cabelo levemente encaraclado no mesmo tom dos olhos e o sorriso mais lindo que ela já vira.
Entretanto ele pegou-lhe na mão e levou-a para um bar.
- Vamos parar aqui para beber qualquer coisa. Aposto que não ouviste uma palavra do que eu disse, em que estavas a pensar? - disse ele a rir.
Atrapalhada, a Cati disse-lhe qu estava apenas fascinada com tudo aquilo pois era muito diferente da Terra.
- E então o que achas da vida aqui? - perguntou o Ian.
- Sei lá! Conheço muito pouco a vida nas bases espaciais. Lá na Terra as pessoas preocupam-se sobretudo com a recuperação da natureza e não temos muita informação sobre o que se passa fora. Mas explica-me tu. Aliás, eu nem sei bem o que aconteceu antes das bases espaciais.
- Ok, mas é uma história comprida, se te aborrecer diz que eu paro. Tudo começou em 1996 quando os Estados Unidos resolveram construir uma base espacial em órbita da Lua. Teoricamente o objectivo seria a investigação científica, no entanto, escondido da população terrestre construiram 3 bases espaciais para refúgio de um grupo de pessoas selecionado em caso de guerra nuclear. Acidentalmente a farsa foi descoberta por um satélite de espionagem da URSS. Pensando tratar-se de bases militares no espaço este país ataca algumas, aparentemente sem qualquer motivo e sem aviso. Repentinamente as pessoas veem-se no meio de uma guerra mundial. Então, um grupo de pessoas conseguiu apoderar-se das bases espaciais e levaram-nas para longe da Terra na esperança de salvar a espécie humana. Quando a guerra acabou quase todo o planeta estava destruído.
- É incrível como as pessoas se deixaram levar a esse ponto - disse a Cati.
- É verdade, mas felizmente nem tudo estava perdido, pois nessa altura a população sobrevivente organizou um governo comunitário e começou a recuperar a Terra. Já alguma vez viste fotografias da Terra antes da guerra?
- Já - disse a Cati. - Os meus pais mostram-me muitas vezes. Têm muita pena de a nossa geração nunca ter visto aquelas paisagens maravilhosas e acho que todos os adultos se sentem culpados por isso.
- Mas continuando - disse o Ian - o pequeno grupo que tinha partido com as bases espaciais voltou e ajudou muito a população terrestre. No entanto, pouco a pouco foram-se afastando e foi crescendo uma barreira entre os que tinham partido e os que tinham ficado. O resto tu já sabes: o governo construiu cidades e selvas protegidas por campos de força que dentro de pouco tempo serão retirados pois a tecnologia criada para limpar a atmosfera está a ter resultados incríveis. Aqui em cima e apesar de continuarmos ligados à Terra, achamos que já não somos precisos e dedicamo-nos sobretudo à pesquisa científica.
- Estou fascinada - disse a Cati. - As coisas que tu sabes! Nunca imaginei a história dessa maneira. O meu computador de ensino torna tudo mais difícil, por isso nunca passei do primeiro grau em História.
- Se quiseres faço-te um programa novo, mais interessante.
- A sério?! És um génio.
- Bem... vamos continuar a ver a base? - perguntou o Ian.
- Vamos claro! Tu és o melhor guia do mundo.
Continuaram então a visita e Ian mostrou-lhe tudo, desde a sua casa, até à torre de controlo e aos espaços de lazer. E no final, conduziu a Cati através de um corredor enorme, até uma porta enorme que se abriu automáticamente.
- Isto é uma surpresa para ti - disse o Ian.
- Esta é uma espécie de sala de recordações. Os nossos pais quando deixaram a Terra trouxeram com eles tudo o que puderam para recordarem sempre a sua beleza. Estão aqui fotografias, filmes, animais e plantas de todos os lugares do planeta.
- Ian, nem sei o que dizer. Estou fascinada e vou voltar cá mais vezes de certeza.
O Ian sorriu com carinho e disse:
- Acho que vamos ser muito bons amigos. E agora que tal voltarmos que já devem estar à nossa espera?
Correram para o angar, despediram-se uns dos outros e partiram de regresso a casa. Estavam todos muito entusiasmados e falavam ao mesmo tempo.
Chegaram ao Porto muito tarde, partiram a toda a velocidade no passeio magnético e chegaram o mais depressa que puderam.
A Cati chegou a casa, identificou-see entrou. Lá estavam os pais mais um grupo de amigos que falavam alegremente das suas férias. Ela disse que tinha estado em casa da Vanda e que já tinham decidido onde queriam passar as férias do Natal, independentemente do que o computador da escola decidisse.
- Esta minha filha nunca pára de fazer planos - disse a mãe a brincar. - E então para onde é que vocês querem ir?
- Para a Base Espacial 16 - disse ela decidida enquanto todos à sua volta a olhavam surpreendidos. - Mas agora vou dormir que estou muito cansada. Até amanhã!

12 comentários:

Lívio disse...

Das bases espaciais para África passaram 20 e picos anos...mas a selva estava lá...Boa ficção, sem dúvida. Gostei.

African Queen disse...

LOL acho que pouco tempo depois desci à terra e percebi que tinha nascido em Portugal, o que me colocava muito mais perto do terceiro mundo do que do espaço. Mas há mais convergências além da selva, aliás, eu nem consigo explicar como é que passaram tantos anos... é um mistério para mim :)Eu com 14 anos a coisa mais parecida com um computador que tinha visto era um ZX Spectrum e consegui imaginar uma conversa online entre a Terra e uma base espacial... era um bocado forinha :)... e acho que só "piorei" com o tempo.

Alien David Sousa disse...

Minha querida Miss A, está demais!
14 anitos?!Já li muita coisa escrita por adultos que não tem 1/3 da qualidade desta tua história. Tinhas - ainda tens - uma imaginação incrível.

"Têm muita pena de a nossa geração nunca ter visto aquelas paisagens maravilhosas e acho que todos os adultos se sentem culpados por isso."

Hoje em dia, em que falamos tanto em preservar o nosso planeta, afinal apenas estamos a tomar consciência de algo que uma miuda de 14 anitos já tinha realizado à muito tempo.

Ah, a cena do Robot= lol

Que mãe, as dietas, as dietas.

Achei o máximo ser o computador a escolher o local das férias lol Ela teve mais sorte com o computador da amizade, pelo menos, ficou bem mais feliz.

Os cartões de identificação. Mas afinal Miss A, quem é a Alien?
Não é por nada mas a tua visão do futuro não está assim tão desfasada da nossa realidade actual. ;)

Se um dia destes te apetecer ir dar uma volta pelo espaço, já sabes que podes contar comigo.

Beijinhos visionária ;)

African Queen disse...

Pois é Alien... eu fiquei parva qd li esta história. Primeiro não tinha nada a ideia de ter consciência ecológica e social aos 14 anos "governo comunitário", "protecção da natureza"... enfim, eu era um génio e não sabia LOL e depois a descrição da tecnologia, que mesmo com o meu consumo de ficção científica me parece espantosamente próximo da realidade e isto tudo misturado com as coisas normais dos miúdos de 14 anos da minha geração: dizer aos pais que dormiamos em casa uns dos outros para irmos a outros sítios, a vida de café com os amigos e depois lembrei-me perfeitamente que a descrição do Ian corresponde tal e qual ao colega por quem estava perdidamente apaixonada na altura... Bem, não fossem estes pormenores, o papel amarelecido, a caligrafia desenhada e impecável e a identificação do ano de escolaridade eu própria teria dificuldade em acreditar que tinha inventado aquilo tudo :)... claro que depois continuei a vasculhar o espólio e deparei-me com outras pérolas e até poesia... é como se tivesse descoberto uma arca do tesouro... e depois penso em mim com 14 anos, de mal com a vida, tímida, complexada, insegura e não bate bem uma coisa com a outra...
Quanto à nossa volta pelo espaço, está combinada... logo que eu me organize e possa tirar umas férias encontramo-nos no angar de partida e apanhamos a nave das 3 da tarde :P

Lívio disse...

Quando nos pomos a vasculhar encontramos sempre verdadeiras pérolas. Mas a tua escrita é um autentica fonte que não para de brotar...

Sara disse...

14 aninhos, hem? :D Realmente já nessa altura estavas "muito à frente! :)
Beijinhos e obrigada pela história! :)

Marta disse...

Tenho que ler isto com calma mas só para dizer que voltei!
Segue o meu nome a azul, mudei de tasco!

osátiro disse...

É na verdade emocionante este "regresso ao futuro"

African Queen disse...

Sarocas :)digamos que andava um bocadinho desenquadrada...

Marta
Tu decide moça, qual é o teu blogue... é que tou cheia de blogues teus activos e inactivos e assim assim nos favoritos :)

Osátiro
Obrigada e bem-vindo a este cantinho de histórias.
Volta sempre!

Lívio disse...

Um bom fim de semana!
Estou de volta aos ensaios pois a 4de Abril,Sexta, é dia de palco!

Alien David Sousa disse...

I just called to say...i miss reading your stories. I know, i know, busy, busy, busy ;)

kisses
p.s i do hope you are able to understand english or this comment will be in vain ;):P

Anónimo disse...
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